Prof. Dr. Edgar Dutra Zanotto (DEMa) presidia o recém-criado Instituto Serrapilheira
Um instituto privado de financiamento à ciência com recursos livres, sem cobrança de publicações ou resultados imediatos, voltado para propostas de pesquisa ousadas e inovadoras, que prioriza cientistas jovens. Estamos falando dos Estados Unidos? Da China? Da França? Não. Essa instituição está sendo lançada no Brasil. É o Instituto Serrapilheira, que vem para atuar de forma complementar às agências de fomento dos governos federal e estaduais no estímulo a grupos de pesquisa ousados e criativos, que possam desenvolver pesquisa de ponta, competitiva em nível internacional, com potencial para ocupar espaço significativo nas melhores revistas científicas de cada sub-área das ciências naturais.
A iniciativa de João e Branca Moreira Salles para criação do Instituto Serrapilheira nasceu em 2014 e, desde então, os instituidores visitaram organizações semelhantes no Brasil e no exterior, promoveram debates em torno da ciência brasileira e se aconselharam junto à comunidade científica do país. "Foram 80 reuniões em 12 meses", apontou João. Após uma clara definição de objetivos, foi aberto um edital para a escolha da diretoria executiva, que, uma vez definida, participou dos arranjos ainda necessários para definir a estruturação da organização.
No lançamento do instituto, realizado em 22 de março no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), João Moreira Salles e seu assessor Rodrigo Fiães apresentaram os dois principais responsáveis pela gestão do Instituto: o diretor-presidente Hugo Aguilaniu (na foto ao lado) e o presidente do Conselho Científico, o Acadêmico Edgar Dutra Zanotto.
De acordo com Branca Moreira Salles, ela se juntou ao marido nessa iniciativa por ter a mesma percepção de que no Brasil o valor simbólico da ciência é baixo. "Na nossa literatura, por exemplo, não existem personagens cientistas. Os jovens não são cativados para as carreiras científicas." Em função disso, o outro foco do Instituto Serrapilheira será a divulgação científica. O diretor-presidente Hugo Aguilaniu destacou que o Instituto quer atingir os jovens, incentivá-los, "mostrar a eles que a ciência é uma coisa legal, uma carreira bacana".
Seleção de projetos começará ainda esse ano
O lançamento do primeiro edital será no segundo semestre de 2017. Zanotto ressaltou que a comunidade científica brasileira conta com mais de 100 mil pesquisadores doutores. "Acho que teremos disputas acirradíssimas por esses recursos e que vamos atrair grandes pesquisadores." Os projetos serão selecionados pelo Conselho Científico do Instituto e o que vai contar, em primeiríssimo lugar, é a qualidade do projeto. "Em princípio, não importa se o projeto já tem algum financiamento público. Se for excelente, poderá ser apoiado também por nós e obter dinheiro livre, em longo prazo. Vamos respeitar o tempo da ciência."
Zanotto ressaltou o significado de dinheiro livre": "Com recursos públicos um grupo de pesquisa não pode, por exemplo, contratar pós-doutores para colaborar. Também não se pode ir a Congressos nos quais não se vá apresentar trabalho. No Serrapilheira haverá liberdade e flexibilidade para a gestão dos recursos, tudo com transparência absoluta."
A ideia, segundo Zanotto, é que os membros do Conselho atuem também como consultores e orientadores no sentido de fazer os projetos explorarem ao máximo sua capacidade de impacto científico. "Essa é a vantagem de ser um instituto pequeno", disse Aguilaniu. "Se tivéssemos três mil pesquisadores, isso não seria possível. Vamos fazer um experimento, baseado em tudo que vimos nas visitas nacionais e internacionais que fizemos, e ver o que dá certo aqui."
A prioridade dos temas de pesquisa, segundo Moreira Salles, será dada pela excelência científica do projeto. "Pode ser ciência básica ou aplicada. Os problemas brasileiros são uma questão do governo. Pretendemos fazer o que o poder público não pode fazer: investir dinheiro livre em poucos pesquisadores de excelência." Mas destacou a existência de critérios em segundo plano, envolvendo questões de gênero, raça e região geográfica.
Segundo João Moreira Salles, o objetivo do instituto é contribuir para a nutrição e crescimento da ciência brasileira. O nome escolhido para o instituto, portanto, refere-se à camada formada pelo acúmulo de folhas e matéria orgânica que cobre o solo das florestas e que é a principal via de retorno de nutrientes ao solo.
Enfim, uma ótima notícia para a ciência brasileira, em meio a tantas perdas, retrocessos e desacertos.
(Elisa Oswaldo-Cruz para NABC, com dados do Instituto Serrapilheira)
Notícia disponível em: http://www.abc.org.br/article.php3?id_article=8414. Acesso em 23/02/17, às 15h40.